Dia primeiro de fevereiro sairam as duas primeiras listas da UNESP - aprovados e segunda chamada. Eu estava em décima oitava posição da segunda lista, doze pessoas seriam chamadas. Dia onze de fevereiro eu estava indo pro primeiro dia de aula na UNICSUL. Dia vinte e cinco eu saí correndo da sala de aula e fui no LABDOC da UNICSUL abrir a página da internet que eu aguardei por tantos dias. Quando eu vi meu nome ali, nem me importei de ser a última, pelo simples fato de eu ser a última. Chorei, entrei em êxtase, gritei, a Pichi me ligou e... Eu explodi.
Dois dias depois eu embarquei pela primeira vez em um ônibus da Andorinha. Lembro de ouvir durante a noite uma garota reclamando pra mãe pelo telefone que estava com frio, pois tinha esquecido o agasalho. Lembro que cheguei às 5h30 do dia vinte e sete de fereiro naquela rodoviária. E eu estava sozinha. Eu estava longe de casa, num ambiente novo e sozinha. A rodoviária de Assis não é muito acolhedora. Ela é pequena, simples e longe do movimento. Ainda estava escuro, e faltavam algumas horas até o horário da matrícula. Sentei em um daqueles bancos cinzas gelados e fiquei olhando ao meu redor. Não lembro o que pensava, talvez não pensasse, estava anestesiada com tudo o que estava acontecendo em um intervalo de tempo tão curto. Duas garotas que estavam no mesmo ônibus que eu, uma delas com a mãe, puxaram assunto. Elas haviam passado em Letras, também iam procurar casa, não conheciam a cidade. Igual a mim, igual a quase todas as pessoas que chegam aqui. Esperamos amanhecer para pegarmos o ônibus que nos levaria à UNESP.
Como recordo do desespero que me deu quando comecei a observar as casas pelas quais passamos. Casas simples, muro baixo, quase todas imundas de terra, bairros tão... simples. Uma visão preconceituosa a que eu tive naquele momento, talvez por estar acostumada com grandes cidades, já vi a imagem de uma favela na pequena cidade fraternal. Simplesmente me enganei, estava dando a volta pelo bairro pobre e mais afastado das partes conhecidas de Assis.
O ponto final do ônibus dava na porta do prédio de Letras, onde fui fazer minha matrícula. A sensação que estava por ali era de alegria. Sentei com meus documentos em uma sala e fiz minha matrícula. Quando saí já estava sem agasalho, estava quente. Quente como só Assis consegue ser.
Feita a matrícula, precisava arranjar uma casa para morar. Só tinha uma porta pela qual sair, onde estavam pintando os bixos. Eu saí muito quieta, e nem repararam, mas foi só abrir a boca que vieram me pintar. Claro, veteranos de Letras. Os historiadores demoraram para aparecer com suas tintas, pois estavam em aula, mas assim que chegaram, me senti acolhida e finalmente em casa. Falaram de tudo e até me ofereceram lugar pra passar a noite. Encontrei novamente as meninas de Letras e fomos em busca de uma casa. Andar debaixo desse sol depois do monte de tinta que passaram na gente só não é pior que andar no sol no dia do trote. Me dei conta do esgotamento que estava quando voltamos pra faculdade para almoçar no R.U. e comecei a ficar enjoada. Eu estava perdendo a paciência. Achar uma casa sozinha numa cidade nova faz com que ela pareça ter dez vezes o tamanho que ela realmente tem. Lá pras 15h eu fui pra uma última casa e decidi que seria aquela mesma, estava muito cansada, não aguentava mais voltar pra faculdade pra pegar novos números de telefone. 16h já estava na rodoviária novamente, troquei a passagem que tinha comprado pras 23h - não sei o que tinha em mente quando compramos a passagem pra esse horário, o que eu ainda estaria fazendo na cidade nesse horário? - e fui me lavar no banheiro pra poder trocar de camiseta e voltar a vestir meu agasalho sem sujá-lo. Sei o quão esgotada eu estava porque, quando liguei pra minha mãe avisando que tinha trocado a passagem e que já estava voltando pra casa, estava chorando.
Depois disso foi só correria, pois dia três eu já estaria de volta a cidade fraternal novamente. Naqueles dias de preparação, trabalhei pela última vez na Aniballoon e no Tropical Kids, tive uma despedida com a minha família, que foi o início do que seria minha mãe melhorada hoje. Lembro do quão surpreso meu avô ficou quando minha mãe apareceu sorridente na pizzaria com sacolas de compras. O estranho não foram as sacolas, muito menos os sorrisos, foi o simples fato de ela ter aparecido. Gostaria de entender a mudança radical que minha mãe teve assim que meu nome estava na lista de convocados. Será que ela pensava que eu era sem futuro? Uma causa perdida? Realmente não sei, mas acho que um dia ainda descubro, não tenho cara de perguntar. Ainda.
Depois que cheguei em Assis, fui me instalando aos poucos, mas estava me adaptando bem. Muitas crises de choro, saudades, tudo pela falta de contato, mas tudo temporário, afinal, ainda estava sozinha, mas não por opção, todos que chegam aqui costumam estar sozinhos, você tem que aprender a viver novamente. Um ambiente diferente, pessoas diferentes, um cotidiano diferente, mas em pouco tempo já haviam laços se criando e não estava mais sozinha. Foi aí que comecei a me dar ao luxo de ver mais coisas na cidade, tentar apreciar alguma coisa nela ao invés de odiar o calor insuportável do dia e a terra vermelha que sujavam meus pés.
E então percebi que o céu estrelado de Assis é diferente de qualquer outro lugar que eu já tenha ido. O céu iluminado pela lua cheia então, sem palavras, um colírio para os olhos que ninguém pode negar. Esse ano, após o período de férias, fui conhecer a casa de um bixo que já é amigo meu da época do cursinho. As luzes estavam apagadas no fundo da casa, e quando olhei pro céu, fiquei ali, como se fosse a primeira vez. Era como se no período que eu tinha ficado fora, míseros três meses, milhões de estrelas tivessem surgido do nada. Ali estava a noite mais bonita que vi em Assis até hoje. Quando o Jaber se deu conta do que eu estava fazendo, ele quase caiu pra trás. Ele foi nocauteado por aquela beleza, tanto que disse que o céu de Assis seria uma das melhores recordações da vida dele. E eu concordo com isso, o céu assisense fará falta em todas as minhas noites quando eu sair daqui. Foi pensando nisso que, chegando em Assis às 5h30 dessa segunda-feira, como da primeira vez, que eu olhei pela janela e vi o céu estrelado sorrindo pra mim.
Uma lágrima escorreu pelo canto dos meus olhos.
terça-feira, 28 de abril de 2009
Porque
Na última sexta-feira fui ao Museu da Língua Portuguesa com o Rafael e o Breno e fechamos aquela tarde agradável no café da Pinacoteca - é incrível o acesso a cultura na cidade de São Paulo - e, num desses devaneios que temos ao longo de conversas, estávamos falando de diários, sobre a vida que temos nessa pequena cidade fraterna e fiquei com isso na cabeça.
Acho que vale a pena uma tentativa de iniciar um blog conjunto que mostre as diversas visões desse lugar único em nossas vidas.
Acho que vale a pena uma tentativa de iniciar um blog conjunto que mostre as diversas visões desse lugar único em nossas vidas.
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